segunda-feira, 2 de maio de 2011


Nunca pensei que ao caminho dos 38 anos eu pudesse vivenciar a máxima filosofia expressa na musicalidade do "Canto de Ossanha” de Vinícius de Moraes: “Amor só é bom se doer”. Aliás gostaria de começar essa narração enfatizando que a música é o meu ponto fraco, especialmente as ditas folclóricas. Transitar pela cidade de Recife e não se encantar pelo batuque do maracatu, pela pisada dos caboclinhos, pelo charme dourado do tilintar dos cinturões dos forrozeiros cafuzús é praticamente inevitável! Não se apaixonar por uma dessas modalidades musicais só se justifica por um motivo: o claustro. Tanto fiz para permanecer num claustro androfóbico que, em poucos em que permiti me libertar sentenciei minha pena, de amor.

Numa recôndita ruela, chamada Madre de Deus, na parte antiga da cidade do Recife, próximo ao Marco Zero, existe um encontro de tocadores de Maracatu denominado “Traga a Vasilha”. Nome pitoresco baseado no fato de que neste mesmo local havia a distribuição de sopa aos mais necessitados e moradores de rua. Quando comecei a frequentar tal encontro cultural, não havia mais a sopa, no entanto os necessitados estes permaneciam em toda a parte, inclusive me incluía nesse grupo. Como quem não quer nada, num dia de chuva, embaixo do mesmo toldo, percebo um sopro no meu ouvido de tanta aproximação que se fazia entre as pessoas, devido ter desconfiado – era o canto de Ossanha – mas Ossanha se personificara num menino de 21 anos, de uma magressa esquálida e um sorriso de mandinga. Conversamos muito sobre a chuva, o tempo, a origem dos maracatus, os instrumentos, a confusão do trânsito, os subúrbios, orixás, sincretismo, energia cósmica, mas Ossanha que é bom nada!

Mas ela já havia cantado seu feitiço, que me atingira em cheio. Foram dois anos transitando e se deixando caminhar entre o profano e o religioso, o conselho tutelar (escapei por pouco) e o estatuto da criança e do adolescente, amando e se deixando amar até que a dor chegou.

Amor só é bom se doer? O amor entrou rasgando em mim como a virada de um maracatu, arrastando as mazelas do meu claustro e agora foi embora. Entrei no isolamento onde permaneci por um bom tempo. Agora saio às ruas com as orelhas cobertas, talvez esteja doente, com mandinga, talvez ainda esteja sobre o efeito da dor, mas Ossanha não mais cantará... Esse cantar que dói, esse cantar que afasta, esse cantar que desacredita... O amor foi plantado! E não houve macumba que o expulsasse. Ossanha que sabe tudo sobre as ervas, sobre a alquimia do amor me serviu de inspiração para esse conto de desabafo. Do amor que fere, que se cura, se cicatriza e que volta a viver. Continuo acreditando no amor inusitado e no premeditado, no amor jovem e no velho, no amor sincretizado, amor é amor ora! E Só será bom se viver! Desculpa Ossanha vou descobrir minhas orelhas, pode soprar dessa dor eu não morro mais, a cada sopro eu ressuscito! O amor físico se foi, mas a brisa continua soprando no Recife por sob o Capibaribe, passando pelos cabelos, fechando nossos olhos e despertando nossos sentidos. Toda vez que eu sentir a brisa lembrarei do sopro e do canto que me despertou o amor.